PLANTÃO ÚLTIMO SEGUNDO

09 setembro 2009

Lula e o Prêmio Nobel da Paz


Há alguns dias o presidente da República brasileira, Luís Inácio Lula da Silva, foi agraciado com o Prêmio de Fomento da Paz Félix Houphouët-Boigny. O prêmio, quase completamente desconhecido do grande público, aponta para outra possibilidade, a de que Lula venha receber em outubro próximo o Prêmio Nobel da Paz, este sim, conhecido e reconhecido por todos. Receber um e, meses depois, receber o outro não é novidade. Nelson Mandela, Shimon Peres, Yasser Arafat e Jimmy Carter são exemplos de personagens que viveram a notável experiência.

E, efetivamente, Lula está mesmo concorrendo ao Prêmio Nobel: o norueguês Stein Tonnesson, diretor do Instituto Internacional para a Investigação da Paz, confirmou a indicação do presidente do Brasil. A forte candidatura de Lula advém de seu trabalho em prol do diálogo, da democracia, da justiça social, da igualdade de direitos, da erradicação da pobreza, da proteção dos direitos das minorias e da luta contra a escravidão.

Examinemos de perto algumas dessas questões. Quando Lula assumiu a Presidência da República, o salário mínimo era de 56 dólares americanos e hoje passa dos 200. Diante de qualquer conta, a diferença entre o antes e o depois neste quesito é enorme. Segundo o Conselho Federal de Economia (Cofecon) cerca de 65% dos benefícios pagos pela Previdência são no valor de um salário mínimo. São milhões de aposentados que tiveram um aumento real de sua pensão de, no mínimo, 48% nos últimos anos, significando uma melhoria substancial na qualidade de vida dessas pessoas. E como na nossa sociedade os laços de parentesco ainda são importantes, é comum ver um aposentado usar parte deste ganho para pagar um curso de inglês, de informática ou seja lá do que for para um neto ou parente próximo, abrindo novas perspectivas de futuro para os mais jovens. Enfim, o aumento vertiginoso (porém responsável) do salário mínimo tem contribuído de maneira indiscutível para a erradicação da pobreza no País.

Na luta contra a escravidão, ainda em 2003, no primeiro ano do governo Lula, foi feito o Plano Federal pela Erradicação do Trabalho Escravo, e o problema finalmente entrou na agenda nacional. O trabalho escravo, como se sabe, foi proibido no Brasil em 1888 com a Lei Áurea, mas jamais foi totalmente erradicado. A mentalidade escravista, o mandonismo no campo, o desrespeito ao outro e governos desinteressados em combater o problema contribuíram para que a escravidão adentrasse o século 21 em nosso país. Fazendas, olarias e fábricas de carvão são os principais espaços em que se encontra tal absurdo. Na luta contra esse mal, o governo tem usado de vários artifícios. Entre eles criou-se uma “lista suja” com os nomes de fazendeiros que usaram trabalho escravo. Com o nome na lista, esses “senhores de escravos” ficam impossibilitados de conseguir créditos públicos e são vetados por diversas empresas em qualquer transação econômica. Em termos numéricos, só nos três primeiros anos do governo Lula foram libertados mais de 9 mil escravos. No ano passado (2008), só no Estado de Goiás, foram libertados mais de 800.

Em se tratando de igualdade de direitos, enfatizaria o direito à qualificação profissional, destacando aqui os amplos programas de inclusão ao ensino superior traçados pelo governo Lula. Entre eles destacaria o Programa Universidade para Todos (ProUni), o qual concede bolsa integral ou parcial para alunos carentes (com renda familiar de até três salários mínimos) em universidade privadas. O programa entre 2005 e 2008 beneficiou 385 mil estudantes. Além do ProUni, poderíamos lembrar também do programa de reestruturação e expansão das universidades federais (Reuni), ampliando as vagas no ensino superior e abrindo caminho para setores até então excluídos da universidade pública ter acesso a uma formação profissional e cultural de qualidade.

Os argumentos em prol do Lula Nobel da Paz poderiam continuar sendo narrados longamente, mas vamos nos deter por aqui e pensar em outro ponto da questão. Alguns brasileiros continuam não levando Lula a sério e, mais que isso, nutrindo ódio irreprimível ao futuro Nobel da Paz (ao que tudo indica). Perguntaria: quem são esses brasileiros? Poderíamos detectar sem muito esforço, a grosso modo, como pertencentes à ala mais inculta da camada média de nossa sociedade, também evidentemente os raivosos coronéis-fazendeiros e, claro, o tucanato paulistano. Outra pergunta que faríamos é: qual o motivo de tanta aversão ao tão bem-sucedido presidente operário? A resposta a essa outra pergunta demandaria um esforço maior e pretendo apenas apontar uma suposição geral e uma hipótese.

A suposição geral e já bastante compartilhada é a de que os indivíduos que nutrem essa citada aversão a Lula compartilham de atávico preconceito social. Esses setores da “elite” brasileira podem até gostar e simpatizar com indivíduos de baixa origem social, desde que eles se mantenham sem poder, sem status, sem conhecimento e sem reconhecimento, sem-terra ou sem-teto. É comum um fazendeiro gostar de um peão dele, até admirá-lo de alguma forma, mas que ele permaneça peão, longe da casa grande; é comum uma senhora simpatizar com sua empregada doméstica, mas que ela permaneça na cozinha. Lula, homem oriundo de camadas populares, cruzou a fronteira e foi bem mais longe que mesmo o príncipe do tucanato, Fernando Henrique Cardoso, jamais sonhou ir. Luís Inácio se destaca na cena internacional, tem uma popularidade incomparável depois de mais de seis anos na presidência e torna-se, suponha... Nobel da Paz! É muito para os grupos que se imaginam elite (não falo aqui de uma elite intelectual) e nutrem tão forte preconceito social. E, diga-se, preconceito mais forte que o racismo sul-africano, pois os brancos da África do Sul admiram Nelson Mandela e conseguem ver a estatura política de seu Nobel da Paz.

E agora concluiremos com a hipótese que alimento como parte da resposta à segunda pergunta feita acima, ou seja, o que explicaria a aversão ao Lula. Suponho que esses indivíduos que tanto detestam o nosso operário presidente são contra o fim da escravidão, contra as políticas de inclusão racial e social, contra a erradicação da pobreza, contra os direitos das minorias, contra a justiça social, contra a democracia, enfim, contra todos os valores civilizadores. No entanto, em pleno século 21, no ocidente, não é possível ninguém se colocar contra essas citadas questões de maneira explícita e consciente e é aí que se opera o nosso debatido fenômeno: os que detestam Lula não podem se opor abertamente à luta pelas conquistas do mundo civilizado e, inconscientemente, transferem para o homem símbolo de tal luta (Lula) todo o ódio que nutrem por essas conquistas, já que amam – mesmo que inconscientemente – o mundo com escravos, pobres, o mundo sem direitos de minorias e sem direitos humanos.


Rogério Lustosa Victor é doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás