PLANTÃO ÚLTIMO SEGUNDO

12 dezembro 2008

Unificação Ortográfica reflete relações de poder entre países, afirma especialista

“Não há porque seguir alimentando a idéia tacanha e colonialista de que os portugueses são os ‘donos do idioma’ e que nós, brasileiros, temos de nos submeter às decisões deles porque usamos uma língua ‘emprestada’ e, para piorar, a deturpamos toda”. Quem dispara essa defesa ácida – em um português muitíssimo claro – é o lingüista e professor da Universidade de Brasília (UnB), autor de “O preconceito linguístico”, Marcos Bagno, em depoimento ao Folha Salvador. O acordo ortográfico, em vigor a partir de janeiro, interfere diretamente sobre os 230 milhões de falantes do idioma no mundo.


Indignado ao ouvir a expressão “unificação da língua portuguesa”, Bagno salienta que o pacto altera exclusivamente as normas ortográficas, mas não extingue a variedade fonética. “Os brasileiros não vão passar a falar como os portugueses, nem os portugueses como os brasileiros, simplesmente porque vão passar a escrever do mesmo modo, assim como pernambucanos e gaúchos não falam da mesma maneira”.

Mas se o lingüista não prevê grandes transformações no uso cotidiano do português, o tom da resposta muda quando se trata da posição brasileira no cenário mundial. “O aspecto mais importante da unificação é político”, acentua Bagno. Ele acredita que o acordo revela uma mudança importante na balança do poder. “É preciso que os portugueses reconheçam sua absoluta desimportância no cenário internacional e admitam que quem manda hoje na língua portuguesa no mundo é o Brasil”.

DIVULGAÇÃO DA LÍNGUA
Faltando apenas um mês para iniciar – de fato – a junção ortográfica e das gramáticas portuguesas, milhões de pessoas terão de se adaptar a uma nova forma de escrita. “A língua portuguesa é o terceiro idioma ocidental mais falado, após o inglês e o espanhol. A ocorrência de haver duas ortografias (portuguesa e brasileira, únicos países falantes do idioma a terem academias reguladoras da língua), dificulta e atrapalha a divulgação do idioma e possivelmente a sua prática”, afirma a educadora Zilene Souza.

Para o economista Eduardo Brito, o fato de existirem duas ortografias dificulta campanhas de divulgação do idioma pelo mundo, sua adoção em fóruns internacionais e a impressão de manuais de instruções em português. "O acordo é uma condição essencial para a definição de uma política externa de promoção da língua portuguesa e sua difusão".

As mudanças foram discutidas pelos membros da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP) desde 1990. Quase duas décadas depois, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, terão, enfim, uma única forma de escrever.

Tão logo as novas regras entrem em vigor, inicia-se o período de transição, no qual ministérios da educação, associações, academias de letras, editores e produtores de materiais didáticos, gradativamente, vão reimprimir livros, dicionários, entre outros.


Mas os consumidores podem ficar tranqüilos quanto ao valor das obras impressas, é no que aposta o gerente da Livraria Civilização Brasileira, Ricardo Chaves. “Não acredito que vá aumentar os preços dos livros. O Mini-dicionário Aurélio é o único revisado com as novas regras e está o mesmo preço”. Para ele, o processo de adaptação vai demorar, “até porque, existem muitos livros ainda no mercado”.

SARAMAGO É CONTRA
A reforma ortográfica não conquistou unanimidade entre grandes entendedores do idioma. José Saramago, único escritor da língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em entrevista concedida à Rede de Televisão Portuguesa (RTP), declarou-se francamente contrário às modificações. “Continuarei escrevendo sem incorporar as mudanças de grafia previstas”, afirmou.

Publicado no Folha Salvador

Nenhum comentário: